Desafinada
Sou poeta por falta de escolha. Acho que já vim ao mundo borrada de tinta de caneta. Me faço casa em cada folha de papel, real ou figurada, e existo no mundo tropeçando em letra. Ser poeta é tanto dom como sina, e não tem a ver com rima, mesmo que transborde até assim, querendo ser sem se querer. Poesia é mais que soneto, é mais que verso, é mais que estrofe — poesia é sentir o mundo em vez de ver. Quem vem ao mundo poeta aprende, sem aula nem professor, a ver beleza nas vírgulas, suspiro de amor em parágrafo, estrela em pingo de i. É tipo de gente que só sabe ser inteiro por escrito, seja no rabisco da folha ou no do pensamento. Na cabeça feita de neurônios de poesia, as palavras dançam incessantes uma dança das cadeiras sem fim, onde nunca falta lugar e a música não ousa parar. É no embolar das entrelinhas que a poesia desata os nós do coração. A sabedoria da vida fez de mim poeta desavergonhada. Antes tão tenebrosa do título, aprendi com Chico que desafinado também canta, e qu